quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Despedida de Zeca Afonso aconteceu no Coliseu do Porto há 26 anos | Texto de Nuno Corvacho

Foto de Carlos Feixa
Último concerto de Zeca
Coliseu do Porto, 25 de Maio de 1983


Muito se fala sobre o concerto que Zeca Afonso realizou em Janeiro de 1983, no Coliseu dos Recreios, e do qual a RTP fez uma gravação vídeo que é habitualmente recuperada na altura das comemorações do 25 de Abril, mas poucos decerto saberão que o cantor viria a actuar uns meses mais tarde, no Porto, naquela que seria, de facto, a sua despedida dos palcos. Sabe-se que, nesse mesmo ano, Zeca Afonso ainda deu a cara em alguns eventos informais em Coimbra (esse facto é, de resto, mencionado por Irene Flunser Pimentel na fotobiografia do cantor recentemente editada), de que chegou até a ser gravado um disco pirata. Mas o último grande concerto foi, sem dúvida, o do Coliseu do Porto, que aconteceu a 25 de Maio de 1983 perante uma sala esgotadíssima desde há cerca de dois meses.
Avelino Tavares, promotor musical da Mundo da Canção, foi a “alma mater” do evento e não tem dúvidas de que, depois disso, não mais Zeca Afonso voltou a apresentar-se em público. “Lembro-me até de, no dia seguinte ao concerto, ter ido levar o José Afonso e a Zélia [mulher dele] à estação de Campanhã porque ele ia a Coimbra receber a medalha de honra da cidade. E, na melhor das hipóteses, o que terá havido é uma festa de estudantes em que se terão cantado uns fados”, recorda.
Para o concerto do Porto, e por exigência do cantor, todos os bilhetes foram postos à venda ao mesmo preço: 500 escudos. A procura foi enorme, a ponto, de, na altura, ter crescido o boato infundado de que haveria ingressos a serem “vendidos à mesa do café”.

“Algo de imperdível acontecera”

Durante o espectáculo, viveu-se no Coliseu uma “atmosfera emocional intensa”, que Tavares compara com a de Lisboa quatro meses antes: “Porventura com menos folclore, mas mais denso e sentido”. Paulo Esperança, que preside hoje ao Núcleo Regional do Norte da Associação José Afonso, também lá estava nessa noite única. Recorda-se de o concerto, que acabou por ser uma espécie de retrospectiva da carreira do can-tor, ter terminado com a “Grândola Vila Morena” e de, já na rua, as pessoas regressarem a entoar em coro canções do reportório de Zeca Afonso. “Nenhum de nós sabia se aquele viria a ser o último concerto. Mas todos tínhamos consciência de que algo de imperdível se passara”, conta Paulo Esperança. O cantor já estava bastante debilitado (eram já claros os sinais da doença neuro-degenerativa que viria a vitimá-lo, quatro anos depois), precisou de sentar-se com alguma frequência e, para alguns coros, contou com o apoio de Sérgio Mestre, um seu habitual cúmplice. E também lá estiveram dois amigos da canção coimbrã, mais uma prova, para Avelino Tavares, de que não houve nenhum concerto em Coimbra, “caso contrário eles nunca teriam vindo cá de propósito”.

Autógrafos frustrados

Aliás, foi o estado de saúde do cantor que levou, na altura, Avelino a travar algo que já planeara: “No dia 26, fomos almoçar a um restaurante na Ribeira, com o Fanhais e outros músicos, e eu levava um saco com os LP’s todos que eu tinha dele para me autografar. Eram muitos os discos que havia para assinar e, ao ver como ele já estava, acabei por desistir. Senti que tinha de ter respeito por ele”.
Avelino Tavares chegou a ver Zeca Afonso, ao vivo, na Escola Infante D. Henrique, ainda antes do 25 de Abril, e esteve presente, no lendário concerto realizado sob alta vigilância da PIDE e que reuniu vários cantores de intervenção no Coliseu de Lisboa, em Março de 1974, quando já se pressentia o apodrecimento definitivo do Estado Novo.
Mas foi na revista “Mundo da Canção”, de que foi director e cujo primeiro número saiu em Dezembro de 1969, que Avelino Tavares mais tentou promover José Afonso, publicando-lhes as letras, bem como as de outros cantores igualmente comprometidos. Foi dele a primeira capa a cores da MC, correspondente ao número 12 (Novembro de 1970). Mais tarde, o cantor viria de novo a surgir na capa da revista, precisamente em Fevereiro de 1975, na esteira do lançamento do álbum “Coro dos Tribunais”.
Depois de muitos meses a iludir a censura com páginas em que textos de conteúdo mais político dividiam espaço com “anúncios pirosos” a depilatórios e calças de terylene, a revista acabou mesmo por ser apreendida quando saiu o número 34, por causa da existência de um suplemento dedicado às novas músicas. Só depois da revolução Avelino Tavares viria a conseguir repor em circulação os malfadados exemplares. Uma aventura editorial que durou até Junho de 1985, sempre sob a aura inspiradora de José Afonso: “Nós vamos todos desaparecer, mas ele vai ficar”.

CORRECÇÃO: Paulo Esperança pertence à direcção da Associação José Afonso e é membro do seu “núcleo do norte”. Não é “presidente” de qualquer “núcleo regional”.

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