Óscar Lopes
A canção lírica e satírica de raizes populares, pela qual há quase oito séculos principiou o registo da poesia portuguesa, veio encontrar um surpreendente renovo no último decénio, ou pouco mais, de resistência ao fascismo e a uma guerra injusta, e depois neste quase decélÚo mais recente em que tem decorrido um processo sinuoso e ainda indecidido de luta por uma democracia real à medida das actuais possibilidades técnicas e humanas. José Afonso é um daqueles novos segréis que mais criativamente reatam uma tão velha tradição nacional.
Reconhecemo-lo, imediatamente, nos ritos paralelísticos, numa enorme liberdade de fantasia enternecida, solidária ou sarcástica, proporcionada pelo perfeito entrosamento entre a letras e a música; e em motivos folclóricos rurais ou marítimos. Mas o que há de mais fascinante na face poética deste segrel nosso contemporâneo é a gama extraordinariamente rica do seu temperamento. Além do certeiro tino com que sabe escolher poesias alheias muito vocacionadas para o canto, José Afonso, como poeta, consegue admiráveis coisas como estas: recuperar a maior candura infantil ou rural (Balada do Sino), dar a rédea mais solta e criadora à lírica pessoal (Chamaram-me Cigano); atingir a invectiva mais flagrante e estimatizadora (Os Eunucos); exprimir o mais persuasivo e generoso companheirismo (Traz outro amigo também); colher os mais belos efeitos em incursões à beira do sem-sentido (colectânea Venham mais cinco); assumir formas de ataque frontal e quase sem metáfora à traição antidemocrática farisaicamente legalista (colectânea Com as minhas tamanquinhas); aliar a simpatia humana mais pura à denúncia da exploração salarial nas «praças de gente», do colonialismo e da violência (Lá no Xepangara, Cantar Alentejano, Por trás daquela janela.
Não foi por simples acaso que o santo-e-senha musical com que se abriram as esperanças de Abril veio a ser a Grândola, Vila Morena. É que, na sua serena e directa simplicidade, esta canção constitui a melhor contraprova da criatividade que noutros poemas-canções de José Afonso se assinala por inflexões imprevisíveis de humor, de intriga ou sequência frásica, de imagem, ou pelo imaginativo jogo de correlação letra/ curva melódica/ harmonia musical. Nesta canção, hoje emblemática e historicamente imortal, comparecem as grandes aspirações pelas quais tão corajosamente lutaram (os que lutaram) nos anos de sessenta, e por que se continua a lutar nos de oitenta: uma fraternidade real sem mistificações televisivas e outras, o direito à igualdade de ensejo para todos os portugueses ou portuguesas, a fidelidade ao princípio de que «o povo é quem mais ordena». E nem sequer ali falta a marca da área natal onde, apesar de tanta velhacaria e violência, resiste ainda uma reforma agrária já há seis séculos desejada pela peonagem rural patriótica de Nun' Álvares: uma azinheira erguida a símbolo dos anelos tão antigos e imorredoiros de liberdade real, numa vila morena como a terra que um dia acabará de ser resgatada para sempre.
Reconhecemo-lo, imediatamente, nos ritos paralelísticos, numa enorme liberdade de fantasia enternecida, solidária ou sarcástica, proporcionada pelo perfeito entrosamento entre a letras e a música; e em motivos folclóricos rurais ou marítimos. Mas o que há de mais fascinante na face poética deste segrel nosso contemporâneo é a gama extraordinariamente rica do seu temperamento. Além do certeiro tino com que sabe escolher poesias alheias muito vocacionadas para o canto, José Afonso, como poeta, consegue admiráveis coisas como estas: recuperar a maior candura infantil ou rural (Balada do Sino), dar a rédea mais solta e criadora à lírica pessoal (Chamaram-me Cigano); atingir a invectiva mais flagrante e estimatizadora (Os Eunucos); exprimir o mais persuasivo e generoso companheirismo (Traz outro amigo também); colher os mais belos efeitos em incursões à beira do sem-sentido (colectânea Venham mais cinco); assumir formas de ataque frontal e quase sem metáfora à traição antidemocrática farisaicamente legalista (colectânea Com as minhas tamanquinhas); aliar a simpatia humana mais pura à denúncia da exploração salarial nas «praças de gente», do colonialismo e da violência (Lá no Xepangara, Cantar Alentejano, Por trás daquela janela.
Não foi por simples acaso que o santo-e-senha musical com que se abriram as esperanças de Abril veio a ser a Grândola, Vila Morena. É que, na sua serena e directa simplicidade, esta canção constitui a melhor contraprova da criatividade que noutros poemas-canções de José Afonso se assinala por inflexões imprevisíveis de humor, de intriga ou sequência frásica, de imagem, ou pelo imaginativo jogo de correlação letra/ curva melódica/ harmonia musical. Nesta canção, hoje emblemática e historicamente imortal, comparecem as grandes aspirações pelas quais tão corajosamente lutaram (os que lutaram) nos anos de sessenta, e por que se continua a lutar nos de oitenta: uma fraternidade real sem mistificações televisivas e outras, o direito à igualdade de ensejo para todos os portugueses ou portuguesas, a fidelidade ao princípio de que «o povo é quem mais ordena». E nem sequer ali falta a marca da área natal onde, apesar de tanta velhacaria e violência, resiste ainda uma reforma agrária já há seis séculos desejada pela peonagem rural patriótica de Nun' Álvares: uma azinheira erguida a símbolo dos anelos tão antigos e imorredoiros de liberdade real, numa vila morena como a terra que um dia acabará de ser resgatada para sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário