Aveiro, 2 de Agosto de 1929.
Nascia para o mundo o ser humano, o poeta, o cantor andarilho, o cidadão.
Na sua vida atribulada de “torna –viagem”, Belmonte, Angola, Moçambique, Coimbra, Algarve, sentem-lhe os cheiros.
A Galiza dá-lhe guarida até acostar em Setúbal.
Nessa sua vida de saltimbanco nascem ousadias em todos os lugares sem nome nos dias que se iam fazendo à medida do crescimento de uma vida inundada pelas derivas da inquietação.
O “triângulo mágico” do seu quotidiano de décadas – Portugal, África, Galiza – molda o seu imaginário, aponta os sentidos da sua presença, das suas causas, dos afectos que o foram construindo.
José Afonso, no solitário fado das águias, num mar largo de incertezas, foi aprendendo a recusar enquanto crescia, o coro dos caídos nos lagos de breu para, com as suas tamanquinhas, ir cantando que nem as montanhas… poderiam impor tectos à liberdade.
Nos tempos em que a morte saía à rua por tudo e por nada, José Afonso procurava encontrar nas esquinas da vida uma qualquer janela por onde espreitar à espera de tudo quanto é doce, na busca de tudo que o fizesse apressar o amanhã.
Nas cantilenas da paciência, com a sua verdade e a mentira do que era anunciado, foi ajudando a vencer o medo tendo na proa do barco os remos da utopia a que os tempos não nos habituavam.
Por isso, estes 80 anos de caminho representam o gozo de continuar a ter o Zeca dos “óculos grandes”, distraído, esquecido e de cabelo desgrenhado no seio da comunidade humana, com sua arte, com seu exemplo cívico, com palavras e sonhos que continuam, de forma simples, a lançar-nos permanentes desafios.
Porque, na verdade, 23 de Fevereiro de 1987 e uma campa rasa num cemitério de Setúbal não representam rigorosamente nada para a memória de um amor que não se engana quando se sabe o que faz falta.
Na tradição cultural de quem rejeita a desistência e o esquecimento as entidades subscritoras deste manifesto querem celebrar José Afonso e com ele fazer ouvir o brado da terra, mesmo quando sussurrado ao longe, por um menino de um qualquer bairro negro.
Nós, homens e mulheres, envolvidos em actividades multidisciplinares de carácter associativo queremos falar da alegria de ter no nosso seio, há 80 anos, José Afonso, sabendo que, mesmo que se voara mais ao perto nem por isso estaria mais junto a todos nós.
Entre 2 de Agosto de 2009 e 1 de Agosto de 2010 – nestes “80 ANOS DE ZECA” – queremos dançar, fazer teatro, cantar, dizer palavras, ver, pintar, tomar conta da rua, dar azo à libertinagem do agora. Porque o “senhor poeta” não merece que sejamos pais incógnitos de contos velhinhos que nos induzam a deixarmo-nos embalar no mundo surreal do “faz de conta”.
Para nós, estes “80 ANOS DE ZECA serão o porto de abrigo onde poderão e deverão chegar, em qualquer altura, todos os amigos que queiram vir por bem, porque todos juntos haveremos de ser muito mais que alguém.
Olhem as estrelas e deliciem-se: as grândolas de todos os dias nunca serão um redondo vocábulo enquanto houver força para a alegria da criação.
Porto, 1 de Agosto 2009.
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