(Ao José Afonso, no dia em que, estando eu
atrás das grades, o vi entrar, sob prisão em, Caxias)
Apagou-se uma estrela e logo
uma canção perfurou o silêncio.
Assim, semeemos a noite de canções
para que as estrelas não durmam.
E é por isso que eu te exorto,
trovador de árias amargas,
a arrancar da viola os acordes
da tua inquietação.
Tudo o que bulir dentro de ti,
amor, revolta, espanto, saudade,
dores, esperanças, raivas e certezas,
são essas as munições
que armam a canção.
Empunha a tua voz
e investe contra o ódio
que se tornou muralha.
Canta!
Nos postigos da fome ou nos portais do frio,
nas esquinas dos ventos traiçoeiros
ou nos cais onde plangem as distâncias
há sempre uma canção
que, dentro de ti, espera.
Nas vozes caladas pelos silvos das fábricas
ou entre os medos que uivam nos pinhais
há canções, à espreita, para ti.
Canta!
Desprende a tua voz pelos espaços.
Se te mandam calar, tu não te cales!
Se a guitarra te quebram
os ecos saberão
acompanhar o teu canto.
Canta, trovador!
Mesmo se te algemarem,
a canção voará
em estilhas de revolta e sóis de esperança.
Canta!
Se te esmagam a voz,
os teus olhos continuarão
a disparar canções
para além da mordaça.
Canta!
Se quiserem matar-te,
nem mesmo assim te cales
– milhões de vozes cantam já contigo.
Canta, mesmo que te matem!
(Prisão de Caxias, Maio de 1973)
Carlos Domingos
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